1. OBJETIVO
Este trabalho visa apresentar uma visão histórica da formação de pilotos civis para fomentar a demanda do sistema de aviação civil brasileiro e uma proposta de restabelecimento de um processo de recuperação da capacidade de atender esta demanda dentro das quantidades e qualidades indispensáveis, adequadas para o cenário tecnológico do setor.
2. HISTÓRICO
Durante a década de 40, surgiu no Brasil uma campanha que visava a doação de aviões, dinheiro e materiais que servissem para a compra ou construção de aviões, ampliação de hangares e construção de campos de pouso para os chamados Aeroclubes. Um dos objetivos da CNA, em doar aviões e fomentar a criação de Aeroclubes, era consolidar a aviação civil no país. Também procurava, com a formação dos pilotos e constante movimentação no espaço aéreo brasileiro, monitorar os sobrevoos de aviões inimigos ao nosso território, já que estávamos vivendo a Segunda Guerra Mundial. Aeroclube era a instituição responsável por fornecer cursos, treinar pilotos, formar mecânicos e instrutores de voo, bem como fornecer espaço para eventos na área da aviação e opções de fretamento de voos particulares. Na cidade do Rio de Janeiro, estava sediado o Aero Clube do Brasil, responsável pelo registro e pelo controle dos demais Aeroclubes do país, bem como pertencia a ele a função de treinar instrutores de voo para os demais Aeroclubes. Personalidades importantes podem ser encontradas nas listas de pilotos brevetados por Aeroclubes da época. Com a extinção da CNA no início da década de 50, onde foram doados mais de mil aviões em todo o Brasil, o país teve um acréscimo de mais de três mil pilotos civis e militares brevetados em Aeroclubes. Período em que passamos de aproximadamente 40 Aeroclubes, para cerca de 400.
Proporção de Aeroclubes por Estado até 1949.
Fonte:
Podemos perceber que desde seus primórdios, os Aeroclubes sempre que foram estimulados, responderam positivamente com sua missão formadora de mão de obra especializada para a Aviação Civil Brasileira.
Esta política rendeu bons resultados, ou seja, campanhas incentivadoras do setor privado que ensejavam a doação de aeronaves e suprimentos para a infraestrutura de um Aeroclube, bem como estímulos governamentais por meio do Fundo Aeronáutico que fomentou durante décadas a manutenção destas escolas de aviação civil. Os Aeroclubes Brasileiros registraram os seguintes resultados:
65.000 | pilotos privados |
24.000 | pilotos comerciais |
5.000 | pilotos de planador |
Considerando-se as dificuldades financeiras pelas quais o Brasil passou neste tempo, somado ao alto custo dos insumos aeronáuticos e do combustível, sem os fomentos, o custo da hora de voo estaria em patamares insuportáveis de serem arcados pelos jovens pretendentes a carreira de aviador, e tão necessária ao desenvolvimento e integração de nosso país, fazendo com que o caos que nos assombra para um futuro próximo com a falta de profissionais, já estivesse sido instalada há décadas.
Percebe-se, que o trabalho despretensioso de remuneração e lucratividade exercido por dirigentes de Aeroclubes, associado ao aporte de subsídios governamentais, inteligentemente alocados a estas entidades, resultaram em um equilíbrio sustentável na busca da finalidade de prover o segmento do transporte aéreo comercial, bem como outras atividades como aviação executiva, taxi aéreo e aviação agrícola, de seus profissionais aviadores.
O desconhecimento da realidade vivenciada no dia a dia da base produtiva na formação profissional de aeronautas induz ao pensamento da necessidade de por um fim ao modelo de ensino, priorizando as “empresas–escolas–particulares” com fins lucrativos, e decretar o fim do mote Aeroclube.
Será que estamos prontos para esta nova realidade? Será que este é o momento?
Vivenciamos o pré-caos do abastecimento de profissionais, a ponto de diretores de uma grande empresa de transporte aéreo dirigirem-se pessoalmente aos Aeroclubes, expondo que esta situação caótica já instalada em seus quadros. Outra empresa também apresentou problemas de acertar sua escala, tendo que cancelar voos por falta de tripulantes suficientes...
3. CONSIDERAÇÕES E SUGESTÕES
3.1. Considerações
I. O fortalecimento dos aeroclubes que, historicamente, mantém em seu âmago a chama de realizar sua missão de prover o Brasil de profissionais da mais alta qualidade e competência, os quais ainda precisam do fomento governamental para que possam encarar o desafio decorrente da escassez anunciada de pilotos civis.
II. A frota de aviões de treinamento de voo primário, de propriedade da União (AeroBoero’s AB115 e AB180), já se encontra exaurida e ultrapassada, tendo cumprido sua finalidade na formação de pilotos, e atingida a sua depreciação total.
III. As aeronaves particulares dos Aeroclubes, adquiridas com extremo sacrifício destas entidades e seus associados que, apesar de particulares, exercem um papel público, sendo sistematicamente utilizadas – e unicamente – para a formação de pilotos. O equipamento de treinamento avançado de voo por instrumento (IFR), COMERCIAL e PLA, mais dispendioso no processo de formação profissional é bancado pelos Aeroclubes, são eles: os CESSNA 172, os CORISCOS, os ARROWS, e os SENECAS. Aeronaves caríssimas, com custo de manutenção também altíssimo, que são indispensáveis para uma formação qualificada, e que são oferecidas por meio da venda de horas de voo sem nenhum fim lucrativo, sendo que por parte da união, somente são oferecidos aviões para treinamento primário, que comparativamente são de baixo custo (os básicos AB115).
IV. Os valores atuais de hora de voo não conseguem acompanhar a necessária atualização decorrente do aumento gradativo de insumos administrativos, de pessoal, das perdas de subsídios, e da exigência constante de novas taxas e legislações que estão por serem implantadas. Este desalinhamento entre o valor cobrado e o valor real a ser cobrado sobre o equipamento, se deve pela impossibilidade de pagamento por parte do aluno e pela existência da concorrência predatória.
V. Com o advento da ANAC, uma grande reformulação aconteceu no Sistema Aeronáutico Civil Brasileiro, existindo muita desinformação em relação as ações a serem tomadas para diversas situações, envolvendo o órgão regulador e os aeroclubes, principalmente no que se refere ao patrimônio e recursos alocados para dar continuidade a seus projetos.
VI. Muito se falou de que não haveria mais recursos federais para o fomento da atividade de formação aeronáutica, que os Aeroclubes deveriam se adequar ao mercado, passando a ser entidades com fins lucrativos ou cerrar suas portas, gerando pânico e desalento em todo um significativo quadro de pessoas envolvidas e dedicadas de forma graciosa na missão de formação de aviadores.
VII. Considerando como correta a questão levantada anteriormente sobre as Escolas e Aeroclubes competirem no mercado, pois desta forma surge uma busca incessante pela oferta da qualidade e preços menores, porém deve existir um período de transição e adaptação as novas realidades, para que o sistema não entre em colapso total com o corte abrupto daquilo que foi seu suporte: o fomento de recursos para a manutenção de suas atividades.
VIII. O decreto número 6.780 de 18 de fevereiro de 2009 que regulamenta a POLITICA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (PNAC) destina à SECRETARIA DE AVIAÇÃO CIVIL, conforme parágrafo 3.5, a autoridade no DESENVOLVIMENTO DA AVIAÇÃO CIVIL:
“Promover o adequado funcionamento dos Aeroclubes e das escolas de aviação para garantir a formação prática dos profissionais, buscando o aprimoramento do sistema de repasse de recursos e equipamentos, selecionando aquelas entidades que atendam aos padrões de qualidade e de eficiência estabelecidos.”
3.2. Sugestões
I. Existem questões que devem ser definidas e organizadas. Uma delas diz respeito à cadeia produtiva na formação aeronáutica. Aeroclubes do interior, fontes fecundas na busca de candidatos devem ser preservados e incentivados, pois ali se inicia a formação primária destes elementos com o curso de piloto privado. Seu treinamento pós-formação deve ter uma solução de continuidade até próximo das 80 horas de voo. Seria o primeiro grau aeronáutico.
II. Na sequência, Aeroclubes mais qualificados seriam o destino deste candidato para seu aprimoramento técnico e formação como Piloto Comercial, Multimotor e IFR, e Instrutor. Seria o segundo grau aeronáutico.
III. Estes Aeroclubes qualificados suprirão as Faculdades de Ciências Aeronáuticas culminando com o terceiro grau e formação acadêmica do profissional, estando este pronto para ser absorvido pelo mercado.
IV. De imediato, a SECRETARIA DE AVIAÇÃO CIVIL, capacitada pelo decreto 6.780 PANC, deve investir na recuperação das aeronaves de sua propriedade (AB115 e AB180). Os motores terão que ser revitalizados e suas estruturas serem submetidas a revisões gerais para que possam de imediato retomar suas atividades. São aeronaves de baixo custo cuja recuperação ficaria em torno de 20 milhões de reais.
V. Esta revitalização é uma boa solução para a formação dos profissionais para os próximos cinco anos, porém é paliativa, visto de que o desenvolvimento tecnológico da aviação, e os equipamentos que a indústria diariamente esta colocando no mercado nos afasta cada vez mais da realidade. Existem casos em que temos o PAULISTINHA CAP-4, aeronave produzida em 1940, formando pilotos que vão comandar aeronaves em 2040. Estamos defasados, portanto, em um século!
VI. Abrir uma linha de crédito de longo prazo, com carência e juros baixos para os Aeroclubes recomporem a sua frota particular que em muitos casos já se encontram parados no fundo de hangar sem recursos para suas recuperações.
VII. Em um segundo momento, precisamos definir um plano de reformulação da frota, para adequá-la à realidade e complexidade tecnológica já existente, para podermos com isso aproximarmos o ensino a esta realidade.
VIII. Estas medidas dariam um impulso imediato no processo de formação aeronáutica, que apoiadas com uma campanha de mídia voltada ao incentivo aos jovens abraçarem a carreira de aviador civil, financiada por empresas de aviação comercial e/ou a própria União, que já o faz incentivando a carreira militar, em breve, com certeza, alcançaremos os objetivos esperados.
IX. Depois de recuperadas estas aeronaves, a SAC deverá adotar uma política de preços mínimos nos valores da hora de voo, através de um estudo minucioso, considerando não somente os aspectos técnicos da aeronave para compor este custo, mas principalmente os custos administrativos que devem englobar este cálculo. Os Aeroclubes hoje padecem com esta realidade, pois os custos dos trâmites burocráticos da administração de uma escola aeronáutica alcançaram patamares muito elevados, e que devem ser considerados. A realidade atual é esta: ou se mantém a administração, ou se recupera aviões; e nos dois casos paga-se mal o instrutor. Este estudo pode ser elaborado por uma comissão formada pelo Conselho Consultivo de Ciências Aeronáuticas, e servir de sugestão a SAC.
4. CONCLUSÃO
É nosso entendimento que o acima exposto aborda o mínimo necessário para iniciarmos o processo de reversão deste quadro difícil em que se encontram os Aeroclubes brasileiros, a fim de iniciarmos a busca por soluções para a resolução das difíceis questões de escassez da mão-de-obra especializada, na pilotagem de aeronaves para os próximos anos.
Estes recursos existem no Fundo Aeronáutico, e devem ser buscados para podermos manter a continuidade do fluxo de produtividade na formação de profissionais do Sistema Aeronáutico Civil Brasileiro.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2010.